"As pessoas criticam o que não conhecem direito"
Secretário de Habitação defende um PPCUB em sintonia com a Unesco e o Iphan e a modernização racional da cidade
Daniel Cardozo

Para o secretário de Habitação, Geraldo Magela, é necessário mostrar para a população o que está sendo proposto no Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB). Ele defende que o projeto é importante para o tombamento, e não um instrumento que pode tirar Brasília da lista das cidades consideradas patrimônio cultural da humanidade. “Como um plano de preservação exigido pela Unesco pode ameaçar o tombamento da própria Unesco? Isso é uma fala que às vezes é repetida e eu só fico em dúvida se é repetida por desinformação, o que seria um erro grosseiro, já que foi esclarecido muitas vezes, ou se seria por más intenções”, disse em entrevista ao Jornal de Brasília. De acordo com Magela, o debate já está contaminado pelo processo eleitoral que se aproxima, mas a aprovação se faz necessária, devido à ausência de uma legislação específica. O secretário também explica os pontos mais polêmicos do PPCUB.
Como o PPCUB poderia ser usado nessa dicotomia de engessamento e modernidade?
Brasília foi inaugurada há 54 anos e há 26 se tornou patrimônio cultural da humanidade. Nós temos de um lado pessoas que querem que Brasília volte 54 anos e outras que querem acabar com o tombamento. Mas não podemos permitir nem uma coisa nem outra. Temos que fazer uma intermediação do tombamento, que é o título mais importante que nós podemos ter, sem pôr um gesso na cidade. Não se pode permitir que a especulação imobiliária e que interesses individuais ou empresariais se sobreponham ao coletivo. Também não podemos ficar parados no tempo, meio século atrás. O PPCUB tem que ser conservador o suficiente para não colocar o título em risco e moderno o suficiente para permitir que as alterações não descaracterizem aquilo que foi planejado.
Existe pressa para aprovar?
É um absurdo alguém falar que temos pressa. Primeiro porque tem 26 anos de tombamento. Esse plano deveria ter sido feito pelo menos há duas décadas. Estamos preenchendo uma lacuna legal que precisa ser preenchida. Segundo, é um despropósito falar que nós temos pressa de discutir e votar um projeto que está sendo discutido há quatro anos e que foi submetido a dez audiências públicas feitas pelo governo e pela Câmara Legislativa e mais de 100 reuniões com a população, com a participação de Iphan, UnB, IAB, CAL, Crea, além dos segmentos empresariais, porque o Sinduscom e a Ademi também estão discutindo. Na verdade, essa crítica de pressa, na minha avaliação, é de quem não quer votar de jeito nenhum e tem vergonha de admitir.
Como é a relação com a Unesco? É uma recomendação que se faça o PPCUB?
Sim. A Unesco dá o título e passa a monitorar. E periodicamente a Unesco faz verificações. Já há muito tempo ela vem recomendando que exista um plano de preservação, pois a ausência dele possibilitou que tivéssemos agressões ao plano original e ninguém se responsabilizava por elas. É uma necessidade, exigência da Unesco e do Iphan.
O Iphan concorda com a maneira com que o plano está sendo conduzido?
O Iphan tem sido consultado em vários momentos. Desses quatro anos de debate, o Iphan participou diretamente por pelo menos dois anos e meio. Especialmente nesses últimos meses, o Iphan tem participado diretamente e influenciado, fazendo críticas, observações, pedindo alterações. E a participação tem um ponto importante, porque aquilo que sai em comum acordo com o Iphan certamente se faz em comum acordo com a Unesco.
O que está previsto no PPCUB em relação à quadra 500 do Sudoeste?
É uma quadra prevista no Brasília Revisitada, feita por Lucio Costa em 1987, que previu a existência como quadra residencial. Muita gente nem sabe onde seria essa quadra, esse é um problema. Tem gente que acha que vai ser em cima do Instituto de Pesquisas Espaciais, outros acham que é ao lado do Eixo Monumental ou em cima de um parque. Nada disso. É uma quadra prevista que antigamente era da Marinha e na disputa do Ministério Público já existem decisões judiciais de que a quadra precisa ser registrada como residencial. Nós não podemos fazer diferente. Aquilo que a Justiça determina, o governo precisa cumprir. Até porque se o governo desconstitui a quadra 500, vai precisar achar um lugar para construir os prédios que seriam ali e indenizar a empresa proprietária dos terrenos, o que seria um grande prejuízo financeiro.
O trânsito no local não seria um problema?
A quadra 500 não vai influenciar mais ou menos no trânsito, porque hoje temos um problema que não é a construção de mais uma quadra que vai fazer alterações profundas. Brasília é a cidade com a maior proporção de veículos do mundo. Não é um problema do Sudoeste ou do Plano Piloto, mas sim de todo o DF. Hoje há mais carros colocados na rua do que transporte público, mas esse governo tem se preocupado muito com um projeto de transporte público de massa de qualidade, só que isso leva pelo menos uma década para ser implantado. A população que vai morar na quadra 500 vai poder fazer uso de um VLT que faça a toda região do Sudoeste, Esplanada, que estão nas previsões de projetos de transporte público.
O estacionamento subterrâneo na Esplanada seria uma priorização do carro em vez do transporte público?
Eu não tenho simpatia por um estacionamento na Esplanada nem o governo tem a decisão de fazer. O governo iniciou estudos para fazer uma parceria público-privada. Agora, é preciso também a gente combater a hipocrisia daqueles que dizem que não pode ter estacionamento, mas pode ter a Esplanada cheia de carros. O que é melhor? Que tipo de cidade eu como morador gostaria de mostrar ao turista? Não seria a Esplanada com carros estacionados irregularmente, sujeitos a multa e sabendo que teria outro lugar para eles estacionarem, porque não há local nos ministérios. Tem gente que critica o que está proposto, mas não apresenta nada diferente. Critica só por criticar. Se for um estacionamento que não agrida a paisagem da Esplanada, será uma boa solução. O que eu tenho dúvida é sobre a viabilidade econômica, já que é um debate a ser feito com quem participaria de uma parceria público-privada. Eu não conheço os estudos sobre isso. Você criar alternativas para que as pessoas deixem o carro em casa é um processo que tem que ter oferta do transporte público, mudança cultural, alternativas para as pessoas. Nós só estamos mudando a sistemática do transporte público, mas estamos começando pelos maiores gargalos, que são as pessoas sem nenhum tipo de locomoção e que precisam ter. Mas vamos chegar a um momento que vamos apresentar transporte público em detrimento de transporte individual.
Qual a ideia da Sedhab sobre a quadra 901 Norte?
Eu diria que a 901 Norte é debatida sob uma visão urbanista muito xiita. Primeiro, é preciso deixar claro: ali já pode construir. No caso uma réplica do Colégio Militar, com mesma altura, o uso pode ser daquele jeito. Mas você vai querer um novo colégio do lado do estádio? Não seria melhor ter ali um conjunto cultural, onde tivéssemos salas de teatro, cinema, um grande boulevard para as pessoas irem aos fins de semana, como existe em todos os centros modernos do mundo? Aí é a visão de quem quer a visão de 50 anos atrás e de quem quer 50 anos adiante. Quero olhar para Brasília para os próximos 50 anos, sem agressão ao que já temos. A quadra 901 deve ser um espaço nobre para a população e para os turistas, que não precisa ter hotel, residência, mas também não precisa ser só um gramado. Seria muito ruim uma área inútil no centro da cidade. O que vai ser feito é diálogo com a população, com o Iphan e daqui a um ano apresentamos um projeto, que tem que ser moderno, atual e não olhando para a década de 1950.
Uma ocupação diferente seria a solução para a orla do Lago Paranoá? Como isso está sendo debatido dentro do PPCUB?
As pessoas criticam o que não conhecem direito e não procuram saber o que tem no PPCUB do outro lado. Temos propostas no plano de uso do lago como espaço de agregação social, uso da comunidade para lazer e cultura. O que precisamos fazer é definir o que pode e o que não pode, onde pode ter hotel e onde pode ter espaços de acesso da população. Agora, aí também tem um debate. Empresários não querem que outros empresários tenham hotel no lago, por questão de concorrência. A gente precisa ter claro que conflitos econômicos existem no PPCUB, muitas vezes colocados de forma aparentemente técnica. Queremos que o lago seja de uso da população, que ela tenha acesso direto ao lago, mas que ele também sirva, em algumas áreas, como possibilidade de aumentar o turismo de convenções. Ter uma convenção na beira do lago é muito melhor do que levar para um lugar distante do centro. Pode haver bons eventos no lago, tendo uma boa estrutura. É preciso dizer que muitos dos clubes que existem lá estão falidos. E se não for dada uma alternativa para que eles possam sobreviver, daqui a pouco não vai poder ter nem clube, hotel ou restaurante, e ter esqueletos, como o Clube do Servidor Civil.
Muito se fala sobre a destinação de áreas do Eixo Monumental. O que existe de verdade dentro do PPCUB?
Na área do Eixo Monumental houve um erro nosso no início. No projeto inicial fizemos uma redação que foi mal compreendida e agora nós corrigimos e recebemos apoio do Iphan e do grupo técnico. Entre o Memorial JK e a Rodoferroviária, será possível ter espaços culturais, que pode ser museu, casa de espetáculos pequena, como o Clube do Choro. Não vamos construir nem muita coisa nem poucas coisas grandes. Serão espaços compatíveis com a área. Não há sentido em ter uma área somente gramada. Agora, para funcionar um museu é preciso funcionar um café, uma loja de CDs, uma livraria, o que acontece em qualquer museu do mundo. Aí é que você precisa dizer o que é principal e o que é complementar, que seria o café, a lanchonete.
Sem ferir o tombamento?
Essa é outra grande besteira que vem sendo alardeada, que o PPCUB poderia representar ameaça ao tombamento. Como um plano de preservação exigido pela Unesco pode ameaçar o tombamento da própria Unesco? Isso é uma fala que às vezes é repetida e eu só fico em dúvida se é repetida por desinformação, o que seria um erro grosseiro, já que foi esclarecido muitas vezes, ou se seria por más intenções.
A terceira faixa de anexos em volta da Esplanada está prevista no PPCUB?
Esse é um ponto positivo, porque o governo federal tem que alugar prédios para colocar órgãos públicos. Existe no lado norte dos ministérios um setor vazio, com garagens funcionando precariamente e invadindo. E é isso. O espaço vazio em Brasília é um convite ao uso indevido e invasões. Estamos criando a possibilidade de uma sequência de prédios, que não precisam ser anexos de ministérios e podem servir para receber órgãos federais que pagam aluguel em outros lugares. Isso só otimiza o uso da região, emvez de trazer problema.
Existe mais desinformação ou más intenções?
O que teve foi muita desinformação. Teve pessoas que fizeram discursos técnicos com segundas intenções e também houve pessoas que são efetivamente contra qualquer mudança no Plano Piloto e que ficavam usando o PPCUB, querendo que não seja votado de jeito nenhum e que a gente colocasse um gesso. Existe uma mistura de muita coisa. Como tivemos pouca oportunidades de esclarecer, fomos envolvidos por muitas más intenções e informações e também por uma disputa eleitoral. Tem gente que está usando o ano de eleições para fazer ataques ao governo. Isso a gente não pode admitir, pois o assunto é muito sério para virar moeda eleitoral.
O senhor teme que esse clima eleitoral contagie a votação?
A disputa eleitoral já contaminou o processo. O que nós não podemos ter é medo da polêmica. O PPCUB não pode ser votado sob dúvidas. Qualquer dúvida que existir tem que ser esclarecida antes da votação. Não tem problema ter polêmica, porque polêmica existe entre os arquitetos, os políticos, e a gente resolve votando. Mas, a contaminação do processo eleitoral não pode impedir que o projeto seja votado, porque deve. E aquilo que tiver que ser corrigido pode ser corrigido até a hora da votação.
Por conta dessa contaminação, esse é o melhor ano para se votar o PPCUB?
Não existe melhor ano para votar sob a análise da polêmica ou não. O melhor ano seria há dois anos, porque foi o momento que nós tínhamos o amadurecimento para fazer o debate do PPCUB, faríamos correções que fossem necessárias. Mas o Ministério Público achou um bode expiatório, que era dizer que o Conplan não tinha participação popular. E nós ficamos com o projeto parado mais de um ano por uma decisão judicial em consequência de uma ação, na nossa visão, errada e que ficou comprovado. Tanto é que a Justiça nos deu o ganho de causa. Nós estamos em um momento que não é o melhor, mas também não é inadequado. É necessário. O pior de não poder votar o PPCUB é ter que justificar à Unesco. Como vamos nos justificar para um organismo internacional? Vai haver uma assembleia em julho, onde seremos cobrados em relação a isso. E vamos ter que dizer que houve jogo político contra o PPCUB, que alguém achou que podia ser assim ou assado. Na verdade, o governo tem que dizer o que ele defende para Brasília, esclarecer à população e fazer a votação. Vamos ouvir. O veredito final, se o PPCUB será produtivo ou não, será dado pela própria Unesco.
Fonte: Da redação do Jornal de Brasília
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